sábado, janeiro 16, 2010

Vai, Chaplin, ser gauche no céu*



A noite boêmia da cidade está de luto. Não haverá mais a figura de um Carlito se equilibrando entre a alegria e a melancolia, sobre as rodas de uma antiga bicicleta. Nunca mais será visto pelas noites da cidade, aquele personagem de si mesmo, cuspindo fogo como um dragão mambembe que tentava espantar a solidão e atrair um pouco de atenção, em troca de uns trocados. O artista de rua, melhor seria dizer de bares, que se vestia de Chaplin está morto desde o dia quatro. Sua arte não foi capaz de conter os dez tiros de revólver que lhe deram, após mais uma noite de jornada.

Diariamente aquele Carlito soteropolitano exibia sua performance de clown noturno e solitário. Um equilíbrio circense instável, feito de piruetas esperadas com patins ou skate e o gran finale no papel do homem que cospe fogo.

Terminado o espetáculo, ele derramava sobre os frequentadores o seu olhar indecifrável que escondia múltiplos sentimentos. Com o seu chapéu-coco pedia o reconhecimento em forma de algum dinheiro para subsistência artística.

Tudo nele parecia incompleto. O malabarismo, a maquiagem, o figurino, tudo. E residia aí sua graça, a nos lembrar do Carlito real, criado por Charles Chaplin, que ousou inserir um antagonista como principal personagem de um cinema em busca de afirmação como arte.

Assim também era o nosso Chaplin, com seu grito característico, avisando aos boêmios que dessem uma pausa na cerveja, ou nas conversas etílicas que resolvem todos os problemas do mundo, para dispensar um fragmento de tempo e vê-lo desafiar Isaac Newton e a Lei da Gravidade, no picadeiro de asfalto urbano.

Ao morrer, as páginas policiais desvendaram sua identidade chamando-o de Gildenor Ferreira de Oliveira, 54 anos. Disseram também que o motivo da chacina fora uma vingança de traficantes porque aquele Chaplin ousou ensinar sua arte para tirar meninos do território das drogas. No limiar de uma nova década do século XXI, a combinação de arte e educação ainda provoca instabilidade e medo em quem faz da bala e da violência sua própria lei.

Os tiros provocaram uma morte múltipla. De uma só vez foram extintos Chaplin, Carlito e Gildenor. A arte de rua, os meninos do seu projeto e as noites de Salvador estarão mais tristes a partir de agora.


* Texto do jornalista baiano Alberto Freire, de quem tenho o privilégio e orgulho de ser amiga.
Foto (net) do arquivo de Alberto Freire

Retirado daqui
www.ladobdesalvador.blogspot.com

10 comentários:

Maria disse...

Sempre os interesses dos mais fortes... lá, como cá, como no resto do mundo.
Que raiva!

Beijão enorme, AIC+T

Maria disse...

Fui no Lado B e li o post sobre o Aconchego da Zuzu. Me deu uma saudade danada.............

Abará e pititinga, Oxe....

Beijão enorme, outro

Leticia Gabian disse...

Pois é assim, Maroca!

E o Lado B é muito legal, não é? Fiquei fã!

Beijões

Prof. Alberto disse...

Oi Letícia,
Valeu pela publicação do texto de Chaplin. Só tem uma correção: a foto eu peguei na internet, não é minha.
Bjs,
Betão

Leticia Gabian disse...

Correção feita, meu bom!!!!!!
Beijão

zmsantos disse...

A luta contra a degradação humana por certo irá continuar.
Paz a Carlito, esteja onde estiver.

Beijos, amiga Letícia.

Leticia Gabian disse...

Amigo, Zm,
Os nossos heróis estão sendo covardemente abatidos...Caminhamos para a orfandade.
O que será dos netos dos nossos netos?

Beijos

Anônimo disse...

Le,

Que saudades de ti!

Você está bem?

Como saudades não tem explicação, vim aqui no seu cantinho pra dar um "cheirinho" nessa minha mãe baiana! (já te adotei)

Te gosto muito, Le!

Beijos carinhosos no seu coração!

=)

Leticia Gabian disse...

Também sinto a sua falta, Carolzita!

Eu estou bem, agora. Passei por um grande aborrecimento, mas agora ele está bem pequenininho (do tamanho que ele deve ter, mesmo).
E você, como é que está? Estudando que nem uma louca, imagino.

Pelo meu post, já viu que na Bahia tem de tudo e não só AXÉ. Ainda assim, morro de saudade de lá.

Também, já te adotei: é a minha filha gringa, de olho azul.
Por falar nisso, Gabriel vem pra cá, agora em Fevereiro. Já vê o meu sorrisão?

É isso, minha flor...Vamos nos falando sempre que der e, de cheirinho em cheirinho, a gente mantém a conversa em dia.

Beijo do tamanho Elevador Lacerda!

Anônimo disse...

Le,

Eu to de férias da Faculdade, mas trabalhando igual uma louca, escrevendo meu TCC, também to escrevendo um artigo pra apresentar num congresso e ainda aceitei um trabalho como Designer, que foi minha primeira faculdade... tá tudo caminhando bem, graças a Deus!

Que legal que seu filhote vai te ver, imagino sua alegria!!!

2010 será um ano de colheitas, todos os nossos sonhos e batalhas serão recompensados e realizados nesse ano!

Fico feliz por você estar bem e se alguma não deu certo, é porque algo muito melhor vai acontecer!

Fique com Deus!

Beijos