segunda-feira, outubro 04, 2010

Identificação

Zé foi hoje às Caldas da Rainha, para estar com D. Belmira, minha sogra. Foi cedo e eu fiquei em casa a dormir.
Quando acordei, éramos só eu e um dia escuro e chuvoso. 
Sentei-me na cama.
Escutei o barulho da chuva. 
Fechei os olhos e senti tanta saudade de você, mãe, mas tanta, que comecei a buscar detalhes seus, desejei rever cenas nossas, reviver momentos passados juntas. 
Vi que tenho poucas lembranças suas até os meus doze, treze anos, quando morávamos na Euclides da Cunha, na Graça, onde nasci. Talvez porque até esta época eu fosse a menina dos olhos de meu pai. 
Em seguida, nos mudamos, fiquei mocinha e as coisas ficaram estranhas. Talvez eu precisasse me afastar do meu pai, para estar preparada para amar outro homem que não ele. Talvez tenha sido isso. Talvez.
É aí que ficam nítidas as lembranças de nossa relação de mãe e filha. Esta relação se intensifica após a morte de meu pai. 
Eu, aos dezenove anos, perco o pai e ganho uma mãe.


Tenho memórias que resistem ao tempo, como as frases que escutei inúmeras vezes e que ficaram impressas dentro de mim. Frases como: "essa menina põe o pai no bolso!", "Lícia é tal e qual a mãe!" e "Lelete é a cara de D. Adília!".
São frases bem descritivas, ditas por pessoas observadoras e, muito provavelmente, que não sabiam manter as bocas fechadas.
Enfim, eram frases que entravam pelos meus ouvidos e que deixavam suas marcas bem fortes. 
Durante a minha primeira infância, fui atormentada pela possibilidade de ter sido adotada. Escutar que Lícia (minha irmã mais velha) era a cara da minha mãe e eu não, era quase uma confirmação. Depois, veio o alívio quando começaram a me comparar com a minha avó paterna. Já não era adotada e fazia mesmo parte da família.


E agora, os meus pés estão pés de princesa, como os seus. Não posso usar qualquer calçado, tudo me magoa e fere.
Os meus cabelos, que já foram grossos e cacheados, agora estão lisos, finos e ralos como os seus.


Finalmente, mãe, posso dizer que, além de carrega-la sob a minha pele, nunca me senti tanto sua filha como agora!


6 comentários:

Maria disse...

Deixaste-me completamente sem palavras, e a chover. Como o dia de hoje.

Beijo-te e abraço-te muito, Amiga-Irmã +CeT

Leticia Gabian disse...

Pois é, Maroca, hoje o dia foi cheio de chuva, de todos os tamanhos.
Tem dias que parece que as lembranças saem de nossas "gavetas" e ficam bem em frente aos nossos olhos... Já não dá pra fazer outra coisa senão recordar, recordar, recordar...

Beijo e abraço imensos, AICeT!

Anônimo disse...

Como eu te compreendo! A minha mãe menina que nos deixou há um ano está cada vez mais ao meu lado! Beijinho grande, Lu

Leticia Gabian disse...

Minha querida Lu,

É assim que as sentimos, não é? Bem dentro da gente, ao nosso lado, às vezes à nossa frente pra indicar uma direção...

Beijo no teu coração, minha flor!

Pitanga Doce disse...

Ai Lê, tem coisas que ouvimos na infância que nos acompanham pelo resto da vida. Umas fazem bem, outra nem tanto. Tive um domingo chuvoso como o teu e cheio de lembranças. Chuva de todo o jeito.

beijos em fim de noite.

Leticia Gabian disse...

O dia foi assim, cá e lá, Pitanguita. Que interessante!
O que não pode ser revivido, pode ser lembrado e relembrado.
Este é o grande consolo.

Beijos chuvosos