Engraçado como a gente, do nada, se surpreende lembrando de alguém ou de alguma situação. Aconteceu ainda há pouco: lembrei do meu ex (vamos chamá-lo aqui de M) e de como fomos maltratados, numa determinada noite em que saímos para ouvir música ao vivo num barzinho recém inaugurado, aqui em Salvador (era verão de 96 e eu ainda nem sonhava em cantar).
O lugar era super agradável. O responsável pela música era um cara até bem jovem, dono de uma voz linda e de repertório impecável. M e eu estávamos in love. Uma atmosfera romântica nos envolvia e parecia que todas as músicas eram dedicadas a nós dois. Havia magia...luzes de pequenas velas iluminavam o ambiente...jasmineiros plantados em toda volta perfumavam o ar...tudo perfeito, se não fosse a chegada de um grupo que destoava completamente do cenário. Ô gente sem classe! No dicionário deles o vocábulo falar certamente fazia parte de uma língua em desuso - todos eles gritavam entre si. Ô coisa desagradável, meu Deus!!!
M e eu ficamos alguns segundos como que em choque. Afinal fomos retirados a fórceps do nosso doce enlevo. Nos entreolhamos e tácitamente trocamos impressões sobre os invasores bárbaros.
Tentamos retomar o clima, mas já era impossível. Olhei pra M e senti que alguma coisa iria acontecer. Ele estava com o rosto super vermelho. Segurei no braço dele e propus: vamos embora? A noite já deu o que tinha que dar por aqui.
Ele apenas negou com a cabeça. Péssimo sinal.
Um garçon ia passando e M o chamou e disse: Olhe, será que dava pra falar com essas pessoas pra que diminuam a gritaria? A gente quer ouvir a música!!! Por favor!
E o garçon: Vou tentar, senhor.
Percebemos que as outras mesas também estavam se sentindo incomodadas. Imaginem o que sentia o cantor?!
Vários minutos se passaram depois que o tímido garçon se prontificou a falar com os incivilizados clientes - Infrutífera tarefa, diga-se de passagem. E M ia ficando cada vez mais irritado e eu cada vez mais preocupada (M, homem alto, forte, de pavio curto, nunca levava desaforo pra casa e costumava lutar pelos seus direitos). Resumo: confusão na parada indigesta.
Com a desculpa de ir ao banheiro, resolvi, simpaticamente, entabular um papo cabeça com a turma do barulho. Cheguei e disse, num fôlego só: Oi, gente! Tudo beleza com vocês? Gostam de música ao vivo? Esse cantor é ótimo e tão educado...deixa o som na medida certa pra que a gente possa conversar e curtir a música ao mesmo tempo. Se não for pedir demais, será que podiam falar um pouquinho mais baixo....
Curta e grossamente fui cortada pelo seguinte texto: Veja bem, gata, a gente não veio aqui por causa da música p_ _ _ _ nenhuma. A comida daqui é do c_ _ _ _ _ _ , boa pra cacete. Esse é que é o nosso negócio. Música é coisa de viado, boiola. A gente gosta de coisa concreta e não dessas FUTILIDADES, falô?
Saí de fininho, voltei pra mesa. A esta altura M já estava se levantando e vinha em minha direção. Fiz cara de paisagem, pensei rápido e antes que ele procurasse saber o que havia acontecido, saí com essa: imagine que naquela mesa horrível está uma prima de Nelson (vizinho nosso). Ela me reconheceu e pediu uma carona com a gente pra voltar pra casa. É bem aquela ali ó, de voz esganiçada, a que fala mais alto que todo mundo.
Deu certíssimo. M pediu a conta e saimos de lá rapidinho.