Há pouco tempo, uns seis meses por aí, nos apresentamos numa festa de aniversário de uma moça. Como quase sempre, o contato foi feito pelo telefone. A senhora, mãe da moça, viu a gente lá no Aconchego da Zuzu, daí ligou. A princípio, queria contratar o quarteto que viu lá – voz, violão, sopro e percussão. Depois, disse que o espaço onde aconteceria a festa não era muito grande e optou pelo trio - voz, violão e sopro. Quando acertamos tudo, alguma coisa me fez falar sobre o nosso repertório e perguntei se estaria de acordo com a filha dela e os seus convidados . Ela garantiu que Bossa Nova e MPB eram o máximo e que todos iriam adorar. Eu bati na mesma tecla dizendo que não costumava cantar nada muito atual e, novamente, ela me tranqüilizou dizendo que iria dar tudo certo.
Eis que três semanas depois da nossa conversa, chega o dia D. Fui a primeira a chegar, mas decidi esperar pelos músicos. Nem dez minutos se passaram e eles chegaram também. Tiramos o som do carro, colocamos no elevador e rumamos para o andar do apê. Quando abriram a porta pra nos receber pude ter a noção exata do que nos aguardava. O apartamento era mínimo. Um ovo. Não, um ovo consegue ser maior do que aquilo! E pra piorar era um ovo duplex, com escadinha em espiral. Calculem o que foi subir o som e o que foi também a minha subida empoleirada num salto alto, bico fino.
O ovo superior possuía uma pequena extensão chamada “área da piscina”, ou deck, pra ficar mais chic. Já podem imaginar a piscina né? Tina de dar banho em criança ganhava longe. Bem, como se ainda não bastasse estarmos exaustos pela luta travada com a escada, ainda tivemos que nos concentrar na tentativa de resolver a ingrata equação: onde armar o som e dispor as cadeiras para enfim darmos início à função? Nisso, já havia se passado mais de meia hora das três combinadas. Veio de novo aquele frio na espinha e a sensação de desassossego.
Equação resolvida na base do armengue e demos início à noite musical. Colada com a gente, rente mesmo, estava uma mesa literalmente entupida de uns rapazes e umas moças, todos jovens, pro meu gosto, demasiadamente jovens. E comigo mesma:
isso não vai prestar! O trompetista, lendo meus pensamentos, perguntou: trouxe o plano B, a pasta com pagode, pop-rock e axé? Soltei uma gargalhada nervosa e pensei: relaxe, e agora seja o que Deus quiser.
Em meio às nossas músicas, começaram a chover pedidos tipo: Legião Urbana, Engenheiros do Havaí, Jota Quest, Ivete, Calcinha Preta, até Alcione e outros que eu nem conhecia. E a gente tocando o barco... Mas quando começaram a atravessar a gente cantando uma música do Legião, eu olhei pro relógio e vi que já havíamos cumprido o nosso horário, disse, rápida e caceteiramente: Bom, já está na nossa hora e, além do mais, vai chover. Boa noite.
Mais que depressa tratamos de desligar tudo. Nos arrumamos. Passamos pelo mesmo tormento na descida da escada. Quando já estávamos entrando no elevador, chega a mãe para se despedir da gente e me sai com o seguinte discurso: “Amei! Aliás, todos amamos demais. Foi muito maravilhoso. Inesquecível mesmo! Adoramos dar festas, comemorar tudo. Na próxima, fique sabendo que já vou contratar vocês de novo.”
Diante de tal ameaça, nós três saímos de lá em choque. Por conta da claustrofobia, no outro dia fui fazer sessão extra de terapia.
Esta senhora, certamente, vive na ilha da fantasia. Ela mora num lugar que “não é muito grande” e jura que sua próxima festa vai ser ao som do nosso trio de sardinhas. Coitadinha, “isso não te pertence mais!!”
Em tempo – Nada contra os gêneros musicais mencionados acima, apenas não fazem parte do meu repertório. E cada um mora onde quer e como pode.